CARPE DIEN

domingo, 23 de agosto de 2009

2ªS SÉRIES - AGRICULTURA E ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO BRASIL

2ªS SÉRIES







1. Introdução
Paralelamente ao desenvolvimento industrial urbano do País, a agropecuária passa a desempe-nhar funções fundamentais para a sociedade, notada-mente: fornecer matéria-prima para as indústrias, gerar empregos, fornecer combustíveis, produzir alimentos, gerar divisas cambiais via exportações, entre outras.
Composição do PIB


Fonte: IBGE

Pela tabela, verifica-se que a agropecuária em 2000 era responsável por 7,75% do PIB, evidenciando a transição do modelo econômico do Brasil de agroexportador para subdesenvolvido industrializado. Em suma, com o avanço da indústria, a agropecuária fica mais dependente e subordinada aos interesses dos grandes capitais.
Ocorre, portanto, a penetração do capitalismo no campo, aumentando a mecanização da lavoura, o que implica elevação da produtividade e necessidade de menos mão-de-obra, fator gerador de desemprego. Ocorre a valorização das culturas mais lucrativas, especialmente aquelas de exportação, como soja e laranja, desvalorizando as culturas voltadas para a alimentação interna, como feijão e milho.
Atualmente, o meio rural ganha novas funções agrícolas e não-agrícolas, oferecendo empregos, como no reflorestamento (
sivicultura), garimpo, turismo rural etc. Os motivos dessa mudança estrutural estão relacionados à concentração fundiária e à modernização do campo, exemplificada pela mecanização.


2. Estrutura Fundiária


CHARGE

A estrutura fundiária é a forma como estão organizadas as propriedades agrárias de um país ou região, isto é, a classificação dos imóveis rurais segundo o número, tamanho e distribuição social.
Numero de estabelecimentos rurais


Area de estabelecimentos



Fonte: IBGE 2000

Pelos gráficos, nota-se uma enorme concentração de terras. De um total de 6 milhões de propriedades, 53,05% ocupam 3,10% da área, enquanto 1,42% dos estabelecimentos (mais de 1000
ha), ocupam 43,48% da área. Portanto, ocorre uma extrema concentração na propriedade da terra, com um reduzido número de proprietários concentrando imensa área e um grande número de pequenos proprietários, que possuem parcelas insuficientes para o sustento de suas famílias. Para complementar a renda, pequenos proprietários trabalham temporariamente nas grandes propriedades. Com o tempo, há uma concentração fundiária, pois a terra fica insuficiente para a família em crescimento e o grande proprietário compra essas pequenas propriedades, por preços irrisórios.
A origem da péssima distribuição de terras no País está em seu passado colonial de exploração, articulado inicialmente por Portugal. Os primeiros latifúndios foram as capitanias hereditárias, que inseriram o Brasil no sistema colonial mercantilista. Portanto, desde o início, o País mostrava sua tendência latifundiária, notadamente exemplificada pelo sistema de plantation, com a cana-de-açúcar no litoral nordestino.
O grande marco histórico foi a Lei das Terras, de 1850, que praticamente instituiu a propriedade privada da terra no Brasil, determinando que as terras públicas ou
devolutas só podiam ser adquiridas por meio de compra favorecendo os abastados proprietários rurais.

3. Classificação dos Imóveis Rurais

Na década de 1960, devido ao descontentamento social rural motivado pela péssima distribuição de terras, o regime militar criou o Estatuto da Terra (1964), surgindo o conceito de módulo rural: “é o modelo ou padrão que deve corresponder à pro- priedade familiar”. Com base nesse conceito, posteriormente, o Incra, Instituto Nacional de Coloni- zação e Reforma Agrária, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, criou o conceito de módulo fiscal: “unidade de medida expressa em hectares,- - - -fixada para cada região, considerando vários fatores, como o tipo de exploração predominante no município e a renda obtida com a exploração predominante.”
Portanto, o tamanho do módulo fiscal depende de cada região, sendo usado pelo IBGE para classificar os imóveis rurais quanto ao tamanho:
● Minifúndio: área inferior a um módulo fiscal.
● Pequena propriedade: área entre um e quatro módulos fiscais.
● Média propriedade: área superior a quatro e até quinze módulos fiscais.
● Grande propriedade: área superior a quinze módulos fiscais.
Outro aspecto importante do Estatuto da Terra é que, teoricamente, o trabalhador rural ganhou uma proteção legal, representada pelo salário mínimo, férias remuneradas, previdência e 13o salário. Mas, na prática, os fazendeiros “fugiam” dessa mudança, passando a contratar trabalhadores temporários, surgindo a figura do bóia-fria.


4. Subutilização do Espaço Rural


Também conhecida por subaproveitamento do espaço agrícola, ou seja, da área total do país, apenas 30% tem agropecuária. O restante são terras que contêm matas, áreas urbanas, pântanos, areais etc. Mas, o lamentável são os imóveis improdutivos no País, isto é, terras sem plantações, evidenciando uma especulação e uma megalomania rural entre as elites brasileiras, pela qual a projeção social e o prestígio político estão relacionados a posse de grandes áreas de terra.
É, portanto, a ideologia sonhada por milhões de brasileiros, ter a “casinha” no campo, com sentido de lazer e fuga da cidade, alimentando a improdutividade num País marcado pelo desemprego e fome da maioria. Observe, a gravidade da improdutividade no País pela tabela, mostrando que ela aumenta nas áreas mais atrasadas.

Imóveis rurais

Fonte: Incra, 2000


Exercícios Resolvidos


01. (Fuvest-SP) A atividade agrícola brasileira está:
a) cada vez mais dependente dos capitais agroindustriais urbanos.
b) dirigida para o abastecimento interno de gêneros alimentares.
c) voltada para a produção de culturas tropicais perenes.
d) em expansão, graças à transformação de latifúndios em pequenas propriedades.
e) diminuindo sua área cultivada nestes últimos vinte anos.
Resposta: A
A atividade agrícola brasileira está cada vez mais dependente dos capitais agroindustriais urbanos, em razão da crescente diversificação do capital urbano e de seu interesse em investir pesadas somas em produtos agrícolas voltados à exportação.


02. (Vunesp) Examine a tabela
Distribuição dos estabelecimentos agrícolas

No que se refere à distribuição da terra rural no Brasil, os dados da tabela permitem afirmar que:
a) a distribuição da terra rural é eqüitativa.
b) mais de 10% da terra rural correspondem aos estabelecimentos com mais de 100 hectares.
c) são os estabelecimentos de 10 a menos de 100 hectares que correspondem à maior parte da terra rural.
d) são os estabelecimentos com menos de 10 hectares que correspondem à maior parte da terra rural.
e) são os estabelecimentos com mais de 100 hectares que correspondem à menor parte da terra rural.
Resposta: B
Observe a desproporcional distribuição de terras no Brasil.


5. A Questão Agrícola


Os conflitos sociais no campo brasileiro decorrem de um histórico processo de
espoliação e expropriação do campesinato. A extrema concen-tração fundiária demonstra o desprezo do grande capital para com o camponês e é representada pelo número reduzido de proprietários, concentrando imensa área e, por outro lado, um grande número de pequenos proprietários com terras insuficientes para o sustento de suas famílias.
A modernização resolveu a questão agrícola do país, pois ocorreu um extraordinário aumento da produção agropecuária, com grandes safras, notadamente explicadas pelas inovações tecnoló-gicas. Mas a questão agrária não foi resolvida, e pior, foi agravada, porque nossas elites despreza-ram o destino dos não contemplados (camponeses) pela modernidade, surgindo uma resistência que reivindica a reforma agrária.
Em suma, a modernização do campo foi desigual, conservadora e capitalista, mantendo a concen-tração de terras, com latifúndios improdutivos, provocando uma subordinação total do camponês ao grande capital. A razão dessa dependência ‘’é que no sistema capitalista a propriedade rural visa, em primeiro lugar, ao lucro e não à utilização produtiva da terra, podendo deixar a terra inexplorada, isto é, utilizá-la apenas como negócio de compra e venda.

Erasmo


6. Reforma Agrária

Teoricamente representa o fim da concentração fundiária brasileira, com redistribuição das terras, rompendo definitivamente com o passado colonial de exploração. Alguns intelectuais apontam que a primeira e, ao mesmo tempo, a última reforma foi no século XVI, com as capitanias hereditárias, que introduziu os latifúndios, os quais resistem até os dias atuais.
Em razão do poder político das oligarquias rurais, a reforma agrária começou a ser discutida após a Segunda Guerra Mundial, inicialmente, por meio de comissões , que fracassaram. Na década de 1960, surgiram as primeiras tentativas no governo de João Goulart, frustradas pelo golpe militar de 1964. Neste mesmo ano, surgiu o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com a responsabilidade de aplicar o Estatuto da Terra, que provocou um aumento dos trabalhadores temporários, pois os fazendeiros não aceitaram as garantias trabalhistas do trabalhador do campo.
Mais tarde, em 1985, foi criado o Ministério da Reforma Agrária aplicando o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), do governo Sarney; e, em 1988, a reforma agrária foi inscrita na Constituição, deixando a cargo do Ministério da Agricultura a responsabilidade de promovê-la.

A Reforma Agrária na Constituição de 1988
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será prevista em lei.


Portanto, a reforma é um processo no qual o governo desapropria terras não aproveitadas, cedendo-as para agricultores que desejem trabalhá-la. Mas, para obter sucesso, a reforma deve ser acompanhada por várias medidas como: assistência técnica permanente, educação, financiamento de equipamentos, política de preços mínimos, infra-estrutura de transporte, armazenagem, telefonia e eletrificação rural. Em vários casos, isto não acontece, explicando-se o abandono posterior das terras distribuídas. Como o governo é lento e burocratizado, surgem os conflitos rurais, marcados pela violência.
Mortes em conflitos no campo


Fonte: Geoatlas, Mortes em conflitos no campo, p. 85-96.


7. Personagens



Bóia-fria: essa denominação decorre do fato de tais trabalhadores comerem fria a refeição que levam de casa, pois no local de trabalho não existem instalações para esquentar a comida. O nome correto do trabalhador diarista é volante ou assalariado temporário; ele reside normalmente nas cidades e trabalha no campo, em geral nas colheitas. Esse tipo de trabalhador teve crescimento numérico, devido à mecanização no cultivo de certos produtos, o que diminuiu a necessidade de mão-de-obra no cultivo, mas aumentou na época da colheita.
Posseiro: indivíduo que se apossa de uma terra que não lhe pertence, geralmente plantando para o sustento familiar.
Grileiro: indivíduo que falsifica títulos de propriedade, para vendê-los como se fossem autênticos, ou para explorar a terra alheia.
Parceiros: pessoas que trabalham numa parte das terras de um proprietário, pagando a este com uma parcela da produção que obtêm , ficando com metade (meeiros) ou com a terça parte (terceiros).
Arrendatários: pessoas que arrendam ou alugam a terra e pagam ao proprietário em dinheiro.
Peões: surgiram na década de 1970, com as fronteiras agrícolas em direção ao norte. São contratados fora da Amazônia, em geral no Nordeste, pelos intermediários (“gatos”), que iludem esses trabalhadores e, por causa de dívida por alimentação nos armazéns dos latifúndios, são escravizados, sendo impedidos de deixar o serviço.



8. Conflitos



A violência rural brasileira evidencia a necessidade de reformas, para corrigir graves distorções como a concentração fundiária, a

prevalência da produção de gêneros para a exportação e a ganância dos grileiros, que contratam jagunços para invadir terras devolutas ou terras ocupadas por posseiros, expulsando-os. Até as reservas indígenas não escapam da violência, e também são vítimas do avanço do capital no campo.
A resistência à concentração de terras aumentou nas décadas de 1970 e 1980, surgindo, em 1984, o Movimento dos Trabalhadores rurais sem Terra (MST), entidade criada para se fazer uma reforma agrária rápida e justa. As invasões em terras improdutivas

questionam a estrutura fundiária ultrapassada, mas também ocorrem invasões políticas em terras produtivas, deixando a questão polêmica. Por outro lado, os fazendeiros criaram a União Democrática Ruralista (UDR), cujo objetivo é defender o direito à propriedade privada, garantido pela Constituição. O resultado foi o aumento dos conflitos, associado ao governo omisso e incapaz de equacionar a questão agrária do país, evidenciada pelo próprio aumento dos conflitos.
Os conflitos fundiários no Brasil





Fonte: Adaptado de: Thery, H. Brésil, un atlas chorématique. Paris, Fayard/Reclus


As áreas mais violentas compreendem o Bico do Papagaio (1), no norte de Tocantins e o Pontal do Paranapanema (10), sendo retratadas pela mídia, que, muitas vezes, enfatiza a invasão de terras produtivas, omitindo a grilagem na área.
A resistência ao modelo imposto pelo grande capital tem exemplos alternativos, como as reservas extrativistas na Amazônia. É uma propos-ta de exploração racional para a preservação -da floresta, objetivando a elevação do nível de vida da população local. Os habitantes da floresta resistem subordinados a relações quase servis de trabalho, extraindo o látex e a castanha, por exemplo, sem ter precisado para isso mais do que pequenas clareiras na mata. As reservas ganharam projeção nacional, com a morte de seu grande idealizador, Chico Mendes, sindicalista e seringueiro, executado em 1988.


Exercícios Resolvidos



01. Defina:
a) posseiro
b) grileiro
c) parceiro
d) arrendatário



Resposta
a) Indivíduo que se apossa de uma terra que não lhe pertence.
b) Indivíduo que falsifica títulos e vende terras que não lhe pertencem.
c) Indivíduo que paga pelo uso da terra com produtos.
d) Indivíduo que paga aluguel pelo uso da terra- - - -02. (FCMSC-SP) “Em 1964 foi aplicada ao trabalhador rural brasileiro uma legislação social, existente, até então, apenas para o trabalhador urbano: salário-mínimo, férias remuneradas, 13o salário e assistência médica.” A aplicação desse Estatuto resultou, principalmente:
a) na diminuição dos latifúndios;
b) na diminuição dos minifúndios;
c) no aumento dos trabalhadores temporários;
d) no aumento dos trabalhadores permanentes;
e) no aumento dos meeiros.
Resposta: C
Os fazendeiros boicotaram os novos direitos conquistados, passando a contratar a mão-de-obra temporária, para fugir dos novos tributos.